9,6 milhões de pessoas no Brasil são analfabetas

Pnad Contínua, do IBGE, ainda mostra que analfabetismo entre pretos e pardos é duas vezes maior que brancos

O Brasil tinha 5,6% de pessoas com 15 anos ou mais de idade analfabetas em 2022, data da última pesquisa referente ao tema. O número é equivalente a 9,6 milhões de indivíduos brasileiros. Ainda, a taxa de pessoas com 25 anos ou mais com pelo menos o ensino médio cresceu de 50% em 2019 para 53,2% em 2022. 

Apesar dos números, o analfabetismo diminuiu no Brasil entre 2019 e 2022. O índice de pessoas nessa condição caiu 0,5 ponto percentual no período, o que representa 490 mil analfabetos a menos em 2022. Mesmo com a diminuição, o número está bem acima do previsto na meta do PNE (Plano Nacional da Educação), que visa acabar com o analfabetismo no País até 2024.

Os dados foram revelados na última quarta-feira (7) por meio da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, elaborada e divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O levantamento do instituto ainda traz números de outros indicadores, como frequência à escola, nível de instrução e abandono escolar. 

“O analfabetismo segue em trajetória de queda, mas mantém uma característica estrutural: quanto mais velho o grupo populacional, maior a proporção de analfabetos. Isso indica que as gerações mais novas estão tendo maior acesso à educação e sendo alfabetizadas ainda crianças, enquanto permanece um contingente de analfabetos, formado principalmente, por pessoas idosas que não acessaram a alfabetização na infância/juventude e permanecem analfabetas na vida adulta”, disse ao portal do IBGE Adriana Beringuy, coordenadora da pesquisa.

Silvia Augostinho, 45 anos, formada em magistério e pedagogia e professora na rede de ensino de Lins, Interior de São Paulo, afirma que, além da pandemia de Covid, período no qual diz que a alfabetização fora atingida profundamente e que, “com certeza”, continua, “não conseguimos recuperar”, dificuldades encontradas no dia a dia com os estudantes corroboram com a pesquisa.

“Há uma defasagem nos alunos que estão chegando para nós, no ciclo I da educação básica, a nível de fala, com dificuldade na articulação dos fonemas; na pronúncia das palavras, mesmo no dia a dia; atenção, pois o nível de concentração das crianças está muito baixo, tendo vista o excesso de tempo nas telas, o que tem prejudicado seu aprendizado em sala de aula; conhecimento de alfabeto e números, pelas lacunas nos anos anteriores, inclusive educação infantil; socialização, mesmo as questões socioemocionais têm sido uma problemática nos tempos atuais, ainda mais tendo em vista que o sistema educacional foca apenas em avaliação externa, descuidando de aspectos fundamentais na formação integral do aluno, na construção de valores e atitudes”, elenca a professora.

Já Elaine Macário, 43 anos, pós-graduada em psicopedagogia, atendimento educacional especializado e em coordenação pedagógica pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e coordenadora pedagógica na rede municipal de ensino de Lins, faz questão de lembrar que, apesar da queda verificada pela pesquisa, fracassos na alfabetização das crianças não são algo novo. A equidade, segundo ela, é fator que deve ter peso relevante em todo o processo.

“A aprendizagem da leitura e da língua escrita é condição essencial para o sucesso e a continuidade do processo de escolarização. Todos alunos têm tido as mesmas condições e oportunidade? É evidente que não. Os dados das avaliações externas têm demonstrado claramente que há um longo caminho a ser percorrido e que a geografia e as condições socioeconômicas interferem neste processo. Garantir acesso não garante permanência, tão pouco sucesso.”

FAIXAS ETÁRIAS

Em relação às faixas etárias, pessoas com 60 anos ou mais representavam 16% dos entrevistados. Foi a faixa que demonstrou a maior queda, reduzindo de 2,1 pontos percentuais frente a 2019 e 4,5 pontos percentuais sobre 2016. Na sequência aparecem os indivíduos com 40 anos ou mais, faixa na qual foi registrada taxa de 9,8%. Os que tinham 25 anos ou mais somavam 6,8%, além da população com 15 anos, com 5,6%.

Quando o tema é cor da pele, o índice de analfabetismo entre pretos e pardos é duas vezes maior que o de brancos. No ano passado, entre os brasileiros pretos ou pardos acima de 15 anos de idade, 7,4% eram analfabetos, mais que o dobro dos 3,4% registrados entre brancos. No grupo dos indivíduos acima de 60 anos, o índice de analfabetismo dos brancos chegou a 9,3%, enquanto entre pretos ou pardos atingiu 23,3%. 

Na comparação por sexo, o número de mulheres analfabetas acima de 15 anos, em 2022, foi de 5,4%, enquanto o índice dos homens analfabetos foi de 5,9%. Entre os idosos, o percentual das mulheres foi de 16,3%, ficando acima do dos homens (15,7%). 

“A tendência de queda do analfabetismo se verifica nos grupos onde ele é maior: população mais velha e pessoas de cor preta ou parda. É como se tivesse mais espaço para queda nesses grupos, uma vez que a população jovem já está mais escolarizada. De todo modo, temos um panorama no qual persiste mais de 20% da população de 60 anos ou mais de cor preta ou parda na condição de analfabeta”, acrescenta a coordenadora da Pnad Contínua.

Elaine ainda destaca que a situação da desigualdade nos indicadores de alfabetização não é recente e lembra que na década de 1980 “mais da metade das crianças matriculadas na 1ª Série repetiam de ano caso não fossem capazes de decodificar letras e reproduzi-las”, que tornava significativo o índice de abandono escolar. 

“No entanto, penso que tivemos avanços em relação ao acesso e à redução da evasão escolar, mas, em relação à equidade e à qualidade, de lá para cá pouca coisa mudou. Os avanços são lentos e, ainda, o que já era um grande desafio ficou ainda mais complexo com a pandemia da Covid-19, fase em que as desigualdades ficaram escancaradas e, muitos dos alunos, ‘abandonados’ à própria sorte. Vale dizer que, além das lacunas conceituais geradas neste período de isolamento social, a dificuldade na fala das crianças gerada da falta de interação também tem sido um importante fator, refletindo no baixo desempenho da leitura e da escrita”, acrescenta ela.

POR REGIÃO

Disparidades observadas nos recortes regionais e raciais chamam atenção na pesquisa do IBGE, já que o índice de pessoas analfabetas no Nordeste mostra-se quatro vezes superior ao registrado no Sudeste, por exemplo. Nessa região, a taxa de analfabetismo entre pessoas acima de 15 anos é a mais alta, com 11,7%. Já o Sudeste tem 2,9% de analfabetos na mesma faixa etária.

Se a comparação for entre idosos acima de 60 anos, a diferença é ainda mais acentuada, com o Nordeste assinalando 32,5% e o Sudeste, 8,8%. 

Entre os 26 Estados mais o Distrito Federal, os entes da federação que mostraram os três maiores índices de analfabetismo foram o Piauí, com 14,8%, Alagoas, com 14,4%, e Paraíba, com 13,6%. Do outro lado, Distrito Federal, com 1,9%; Rio de Janeiro, com 2,1%; e São Paulo e Santa Catarina, ambos com 2,2%, foram os que sinalizaram as menores taxas ade analfabetismo.

ABANDONO E CAUSAS

Ainda de acordo com a pesquisa, dos 52 milhões de jovens na faixa etária de 14 a 29 anos no Brasil, 18,3% deles não completaram o ensino médio. Os motivos variam de abandono ao fato de nem ao menos terem frequentado a escola. Eram 9,5 milhões de pessoas nessa faixa etária nessa situação. Os homens representavam 58,8% desse total, e aas mulheres, 41,2%. Por cor ou raça, 27,9% eram brancos e 70,9%, pretos ou pardos. 

Dentre os motivos elencados quando questionados sobre a principal razão para o abandono, 40,2% deles apontaram como prioridade a necessidade de trabalhar. Dentre os homens, esse valor sobe para 51,6%. Outros 26,9% dos entrevistados disseram ser a falta de interesse nos estudos. 

Entre o sexo feminino, os principais motivos apontados por elas foram a necessidade de trabalhar, para 24%; a gravidez, para 22,4%; e a falta de interesse, para 21,5%. Outras razões, como, por exemplo, afazeres domésticos e cuidados com outras pessoas, foram apontadas por 10,3% delas. Entre os homens esse percentual registrou 0,6%.

“A taxa de analfabetismo é uma das metas do atual Plano Nacional de Educação, que tem vigência até 2024. Um dos itens seria a redução da taxa da população de 15 anos ou mais para 6,5% em 2015 e a erradicação em 2024. A meta intermediária foi alcançada em 2017 na média Brasil, porém, no Nordeste e para a população preta ou parda, ainda não foi alcançada”, encerrou a coordenadora. 

“Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o 3º ano do ensino Fundamental considero uma meta ambiciosa e pouco provável de ser alcançada. Não acredito que se consolide até 2024. Avaliar e traçar metas e prazos são fundamentais, mas a execução e o monitoramento, com intervenções eficazes, precisam ser constantes, não às vésperas da consolidação das mesmas. Percebo poucas ações neste sentido”, diverge Elaine.

“Nós vínhamos numa crescente em relação à alfabetização dos nossos alunos, o que sofreu um decréscimo nos últimos anos. Se continuarmos trabalhando focados somente em índices e avaliações externas, não vejo como conseguiremos recuperar a aprendizagem dos educandos, nem mesmo alcançar metas a níveis estadual ou nacional. O sistema, alheio a esse cenário, investe em aspectos que não são fundamentais para a alfabetização e letramento dos alunos”, finaliza Silvia.

Por fim, Elaine diz que cenário evidencia que garantir acesso à educação não garante democratização do ensino. Segundo ela, a alfabetização deveria ser prioridade irrestrita para todos os envolvidos. “Escolas, famílias, secretarias de Educação e, principalmente governantes, que deveriam cumprir a lei, criando políticas públicas eficazes a favor da educação de qualidade e não as fazem. Reduzir o analfabetismo e, portanto, as desigualdades, deve ser bandeira política e não partidária, bandeira de todos, não só dos que estão no chão da sala de aula”, encerra.